A obra de Herman Dooyeweerd mostra um intenso diálogo com toda tradição filosófica. E a tradição filosófica começa com Platão e Aristóteles, prossegue com Locke, Berkeley e Hume, Descartes, Leibniz e Kant, terminando em Frege, Russell, Wittgenstein. Como também vai dialogar com toda tradição filosófica católica e protestante. Então, estamos diante de filósofo e teólogo de peso, embora não seja tão conhecido tem um peso enorme na filosofia.
A pretensa autonomia do pensamento filosófico
A tradição filosófica ocidental como um todo sempre trabalhou sobre a premissa de que a razão filosófica ou científica mostra um caminho privilegiado à concepção da realidade da maneira mais precisa e correta porque, entende-se que, só ela é isenta de certos empecilhos e compromissos extra teóricos – que são pressuposições culturais, sociais ou religiosas.
Então, Dooyeweerd faz uma pergunta bastante simples, porém desconcertantes, às escolas de pensamento que se dizem neutras.
Ele diz, “Se o pensamento teórico tem seu ponto de partida na razão autônoma, como vocês alegam, por que as disputas entre escolas, tanto na ciência como na filosofia, nunca são resolvidas no nível teórico? Porque nunca superam suas diferenças no campo da razão, quando alegam todas, a mesma neutralidade essencial”?
Ele quis dizer que todas as escolas estavam fundamentadas no mesmo pilar, que era a razão autônoma, por que vocês não chegam a uma conclusão?
Dooyeweerd faz uma crítica do pensamento teórico demonstrando que, desde muito tempo atrás, a razão teórica depende da orientação religiosa fundamental do ser humano, no sentido da sua crença, daquilo que é a fonte divina de todas as coisas.
Seguindo a metodologia crítico-transcendental, à maneira kantiana, Dooyeweerd nos oferece uma análise da estrutura da experiência humana identificando os seus diversos aspectos como numérico, espacial, cinemático, físico, histórico, linguístico etc., e logo em seguida, um enxame do próprio pensamento teórico em relação a essa estrutura proposta por ele.
E é nesse enxame, nessa investigação que, primeiramente, o pensamento teórico reflete um aspecto particular da vida humana, que perde todo sentido se deixar de ser compreendido em seu contexto humano integral.
Porque esse que é o grande problema do pensamento ocidental: uma completa confusão na relação entre racionalidade e natureza humana. Materialismo, historicismo, formalismo jurídico, moralismo e outros ismos são explicações absolutistas e mutuamente irreconhecíveis. Elas não se comunicam. Então o que poderia sair disso são apreensões distorcidas da realidade e do próprio homem.
O que Dooyeweerd vai dizer é que não é possível compreender a relação entre pensamento teórico e realidade sem uma autorreflexão – sem entender como de fato que somos como seres humanos.
Dooyeweerd está falando é sobre a retomada da questão grega, cartesiana e sobre a natureza humana cogito: cogito ergum sum.
Então que é esse eu que pensa? Qual o caráter concêntrico do eu? Então, o enxame realmente crítico do eu que pensa revela que ele conteúdo, não tem essência em si mesmo; ele busca esse conteúdo fora de si, ele irresistivelmente vai atrás de uma de uma fonte que seja capaz de explicar toda diversidade de sua experiência.
Assim, essa identidade só vai se encontrar em apenas uma relação: a relação com o absoluto, à origem divina. O “ego” ou o “eu” apresenta uma dependência estrutural em relação a essa origem a partir da qual todos os aspectos de sua experiência humana – incluindo o pensamento teórico – encontram significado e coerência real e concreta.
Quando o ego rejeita a relação com Deus pessoal e transcendente que a verdadeira origem, ele é obrigado a buscar outro sentido, outra fonte que substitua e essa substituição sempre será imanente, sempre estará contido na parte da experiência possível, fazendo com que a realidade seja percebida através da utilização dos sentidos; que segundo Kant, diz respeito aos conceitos e/ou preceitos de teor cognitivo. Dando a isso impulso religioso ao que é apenas apreendido pelos sentidos.
A questão é que o ego nunca encontra uma fonte suficiente de sentido no tempo. E é isso que dá origem a diferentes antropologias, a diferentes concepções de humanidade, diferentes concepções de racionalidade, de diferentes cosmovisões, antitéticas entre si e dualistas também.
Dooyeweerd defende a necessidade e a possibilidade de diálogo teórico entre escolas que expressam diferentes pontos de partidas religiosos, mas que eles sejam admitidos como tal. Quando se conversa com um ateu ele sempre acusa os cristãos de se basearem pela fé. E na verdade o que eles fazem também é questão de fé, só que na relação com o absoluto que apresenta uma relação dando direções imanentes a seu impulso religioso estrutural.
Dooyeweerd é bastante enfático em dizer que não existe “neutralidade religiosa no pensamento teórico”. E essa ideia de neutralidade religiosa na ciência e na filosofia não passa de um dogmatismo da razão, de uma ilusão do pensamento, incompatível com o verdadeiro criticismo.
Alguém pode está se complicando com o que é dogmatismo e criticismo. Dogmatismo é alguém afirma ou crer em algo como verdadeiro e indiscutível, é um termo muito utilizado pela religião e pela filosofia. Ocorre quando uma pessoa considera uma verdade absoluta e indiscutível.
Já o criticismo representa em filosofia a posição metodológica própria do kantismo. Caracteriza-se por considerar que a análise crítica da possibilidade, da origem, do valor, das leis e dos limites do conhecimento racional constituem-se no ponto de partida da reflexão filosófica.
Então é justamente o dogmatismo, é justamente essa crença em algo tido como verdadeiro e inquestionável que lança as diferentes escolas filosóficas em debates infindáveis porque seus discursos são mascarados em relação aos seus compromissos religiosos.
O historicismo e o sentido da história
Seguindo o pensamento de Dooyeweerd teremos implicações quanto ao historicismo. E historicismo se entende pelo conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos os elementos (artes, filosofia, religião etc.) da cultura humana. É uma corrente intelectual que nasceu no século XIX e veio a se tornar uma das tendências dominantes do pensamento ocidental contemporâneo.
A definição de historicismo de Dooyeweerd é uma exposição crítica de suas origens históricas. Na definição dele, o historicismo é uma mentalidade mundo humano com suas ideias, valores, ciência, religião, instituições etc., é relativo ao momento histórico. Isso nada mais é do que a absolutização do aspecto histórico da experiência humana, resultando na relativização e na deformação dos outros aspectos dessa experiência.
Defendendo sua tese Dooyeweerd traça as origens do historicismo moderno passando pelo pensamento pré-iluminista, iluminista, e romântico, até sua consolidação como macrotendência no final do século XIX e começo do século XX, e mostra no processo relação entre a evolução do historicismo e o seu fundamento como “objeto de adoração”.
Com isso, Dooyeweerd aproxima-se do problema do historicismo de forma negativa, não concordando com a perspectiva adotada pela vigente importância dado. Ele faz uma crítica e oferece uma solução positiva propondo-se a descrever filosoficamente a natureza da história. Fazendo uma análise com de fato ela é e não como desejam que ela seja no sentido dogmático.
Isso deixa claro que a relevância do historicismo não é tão imprescindível como é visto hoje em dia. Dooyeweerd identifica o cerne do sentido do aspecto histórico com o poder ou controle formativo sobre coisas e pessoas; que é a atividade cultural que ele vai chamar de intencional e que o professor Olavo de Carvalho chama de elite falante, segundo vontade das pessoas em convívio social e do próprio ser humano que põe o mundo em movimento.
E a partir desse cerne ele chega à sua mais importante conclusão que é a que existe uma norma histórica que a partir dela poderíamos julgar os processos histórico-culturais e determinar se eles são reacionários (conservador) ou progressistas (revolucionários).
E esse processo histórico não reacionário, então, seria marcado por uma abertura da verdadeira vida cultural, com as normas dos vários aspectos da experiência humana como a lógica, linguística, social, jurídicos, estéticas, morais, etc. O que vai ser expresso na vida cultural.
O Historicismo seria então, um desenvolvimento antinormativo na medida em que não há uma abertura, mas um fechamento niilista da experiência humana.
Filosofia e teologia
Dooyeweerd defende que, embora exista uma ligação interna entre uma genuína teologia e uma genuína filosofia cristã, mesmo ambas do mesmo motivo básico religioso da criação, da queda no pecado e redenção pelo Pai, em Jesus Cristo, na Comunhão do Espírito Santo, a filosofia seria autônoma em relação à filosofia – assim como outras ciências.
Leia também:
Bibliografia
RUIZ, João Álvaro. Metodologia Científica: guia para eficiência nos estudos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1991.
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